a subversão da vitória
O Nocivo Valor da Vitória Artificial
Esforço, dedicação, talento. Noventa por cento de transpiração complementados com dez por cento de inspiração. Quem acredita sempre alcança. A vitória é para os persistentes...
Cultuamos a vitória como uma glória concedida aos melhores, aos abençoados, aos perseverantes. Os vitoriosos são tidos como merecedores de honras e alçados ao status de ídolos, reverenciados e invejados.
Vemos neles um sinal de que há sim uma saída para a mediocridade e padrões a serem valorizados e conquistados. Como meninos num saguão de aeroporto esperando seu ídolo passar, vemos os vitoriosos como semi deuses. Eles representam uma perfeição possível.
Nosso egoísmo intrínseco abre uma exceção para cultuar o vitorioso, porque vemos neles o ápice da nossa própria vaidade refletida numa referência.
Mas, quando se trata de vaidade, os princípios são relativizados. Somos especialistas em trapacear, engenhar ardis e torcer a verdade em favor do benefício próprio. Assim, se o triunfo traz vantagens, mimetizamos a vitória subvertendo a conquista.
Um exemplo: existe uma corrida tradicional disputada por militares chamada “Corrida do Facho”, em que participam atletas de todos os quartéis do Estado. A vitória é muito valorizada e significa honra e notoriedade para comandantes e comandados. No inconsciente da tropa existe a abstração de que a unidade militar que apresentar os melhores atletas é também superior em tudo o mais. Muito provavelmente, quem idealizou essa competição tinha em mente propósitos elevados como o fortalecimento do espírito de corpo, incentivo ao preparo físico da soldadesca e incremento da disciplina.
Mas um belo dia, algum comandante achou que seria tão bom, mas tão bom vencer a Corrida do Facho, que talvez valesse a pena lançar mão de artifícios heterodoxos para vencê-la. Nada ilegal ou proibido pelos regulamentos, apenas a “sacada genial” de fazer a seleção dos corredores já na escolha dos recrutas e separar os melhores para – praticamente - só treinarem corrida. Assim se fez: separava-se um grupo de atletas dentre os alistados para o serviço militar, a esses era ministrado um básico treinamento de caserna e uma intensa preparação para a Corrida do Facho. A esses selecionados foram oferecidos alimentação especial, horários diferenciados, técnicos específicos e dispensa de serviços comuns, dentre outras regalias... E treino pesado. Fora a farda e o cabelo, nem pareceriam recrutas. Formaram uma “tropa de elite”, mas de corrida. Deu resultado. Foi uma covardia emparelhar verdadeiros atletas profissionais com soldados "comuns", selecionados e treinados de maneira bem mais ortodoxa.
Sim, as vitórias vieram trazendo o orgulho, a honra e a exaltação com o sucesso. Em pouco tempo, quase todos os demais quartéis adotaram o “método” bem-sucedido.
Mas perdeu-se o espírito da competição. A partir daí passou-se a disputar quem selecionava e formava melhores corredores e não soldados-corredores. Na verdade, acabaram com o que a vitória na Corrida do Facho representava. Atualmente pode não ser mais assim, não sei.
O esporte e sua disputa implacável é uma genuína metáfora das competições da vida. Exemplo maior da degradação da vitória no campo esportivo são as Olimpíadas modernas.
Os jogos foram concebidos com aquela ingenuidade do “congraçamento dos povos” pelo esporte, da saudável competição, dos valores da honra. Como guerras civilizadas, onde as nações se enfrentariam nos campos esportivos de batalha, sem mortes nem sofrimento, apenas o “espírito olímpico”. A História nos mostra que nunca foi bem assim. Uma medalha de ouro tem o poder de gerar dividendos políticos ao país que a ganhou. Muitas medalhas podem significar a humilhação dos inimigos. Conhecemos então o dopping, os hormônios injetáveis, as máquinas de criar atletas e outras bizarrices da busca frenética pelo pódio olímpico.
Assim, em todos os campos onde há “vitoriosos” e “derrotados”, há artifícios para alçar os que não são os melhores ao triunfo postiço, pois vencedor é quem é assim considerado, e não necessariamente quem é o melhor. A vitória passou das mãos dos melhores, para as mãos dos mais ardilosos.
A vitória nominal dança ao sabor dos interesses envolvidos. Como consequência, há uma grande probabilidade de atletas hipertrofiados e hiper-estimulados quimicamente estarem no lugar mais alto do pódio, de medíocres bem relacionados estarem em lugares que nunca mereceriam pelo critério do mérito. Enfim: há muitos simuladores ocupando o lugar de capazes.
A vitória não é um valor em si mesmo. Ela deveria representar o coroamento da plenitude alcançada, seja pelo talento, esforço, dedicação, abnegação, superação e sacrifício. Sem isso, não é vitória. É somente uma encenação num teatro de falsidades.
Como sociedade, pagamos pelo engodo e nos tornamos o retrato de nossas escolhas viciadas. A vitória nas eleições não significa que o melhor candidato cativou a maioria dos eleitores, mas sim que a máquina de marketing eleitoral e a selvagem engenharia de produção de votos funcionou bem.
Quantas pessoas têm caráter, formação e integridade para exercer um cargo político relevante, mas a ele nunca chegarão, pois não se encaixam no poderoso sistema que alça "ungidos" ao poder?
Mas contra a verdade não há ardis. Na hora em que a tempestade de fogo da realidade cai, os simuladores são os primeiros a queimar, pois são feitos de palha.
No império da verdade, não há lugar para simuladores.
Por isso comprar um troféu é tão diferente de conquistá-lo.
Por isso um troféu é dispensável para um vencedor verdadeiro.
"A sinceridade e a honestidade são as chaves do sucesso.
Se puderes falsificá-las, estás garantido".
(Groucho Marx)
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